terça-feira, 13 de abril de 2010

A culpa é do socialismo

Compreendo que a transformação de valores espirituais – verdade, honestidade, justiça, solidariedade, por exemplo – em políticas públicas e estruturas organizacionais é um grande desafio técnico e político. Técnico, porque exige conhecimento das causas e efeitos das ações humanas sobre a sociedade e a natureza. Político, porque somos milhões de pessoas com motivações e objetivos de vida diferentes, fato gerador de tensão cada vez que se investe em mudanças.
(Pr. Edvar Gimenes de Oliveira)

Fonte: Blog da Associação de Diáconos Batistas do Estado do Rio de Janeiro ( http://www.adiberj.org/portal/2010/04/09/a-culpa-e-do-socialismo/ )
Depois de um longo período de convalescença, voltei a sair de casa. Gláucia convidou-me para acompanhá-la ao oftalmologista uma vez que temia não encontrar lugar para estacionar o carro. Ela estava com a razão. Deixei-a na porta da clínica e consegui uma vaga apertada a 100 metros de distância.

Pensei em agendar uma consulta pra mim, mas a clínica estava cheia, precisaria entrar na fila do telefone para marcação e, depois, esperar não sei quantos dias. Preferi aguardar pra depois…

Quando voltávamos, decidimos parar num supermercado para umas compras. Estacionamos com dificuldades e, enquanto ela foi à farmácia, sai à procura de um carrinho ou de uma cestinha. Não era o único. Muitos procuravam o mesmo e ninguém achava. Olhei a fila do caixa eletrônico com 30 metros de cumprimento, maior do que a da mega cena acumulada em 39 milhões, do lado de fora da loja.

Depois de olhar pra dentro do supermercado e perceber a multidão, fui ao encontro dela, Gláucia, na farmácia. Ela estava na fila. Desistimos e decidimos ir ao supermercado vizinho de casa, no Canela.

Na ida, parei no Banco do Brasil e ela seguiu à pé para o supermercado. Vencida a fila no Banco, segui para o Bom Preço.

Quem disse que conseguia estacionamento?

Perdi as contas das vezes que rodei o estacionamento em frente à loja e também o da parte inferior. Passei quase uma hora rodando em fila nos estacionamentos. Havia carro parado irregularmente e gente disputando palmo a palmo uma vaga. Um cidadão discutiu com o policial, pois queria deixar o carro sobre um espaço reservado aos pedestres. Um outro gritou comigo porque estava rodando muito devagar.

O mesmo fenômeno de congestionamento acontecia na rua em frente.

Depois de muito rodar, consegui um cantinho, literalmente, e entrei para procurar Gláucia. Todos os caixas estavam funcionando, fato raro no Bom Preço (não por falta de consumidores, mas por ganância). Ela estava sorrindo numa das filas internas, com quatro carrinhos cheios à sua frente e mais meia dúzia atrás. Esclareço: os carrinhos eram dos outros.

(Em janeiro, no interior de São Paulo, meu sobrinho falava dos planos para o casamento. Provavelmente, compraria uma casa em vez de construir. Motivo: dificuldades para encontrar mão de obra disponível na construção civil).

Qual seria a justificativa? Simples: aumento no poder aquisitivo das pessoas e rápido crescimento da chamada classe média. A chamada classe C ganhou, nos últimos 5 anos, 30,2 milhões de consumidores, enquanto as classes D e E perderam 26,1 milhões. (E, claro, os empresários não multiplicarão suas lojas até quando puderem). Tudo isso em meio a uma profunda crise econômica internacional.

Foi-se o tempo em que não havia engarrafamentos e entrávamos com tranquilidade nos supermercados. Agora, por culpa – ironizando – do “socialismo”, milhões de pessoas empobrecidas passaram a ter acesso aos bens de consumo. Até os aeroportos – até pouco tempo símbolo de status de uma minoria – estão lotados.

Escrevo que a culpa é do “socialismo” – entre aspas – pra dizer que não me refiro a um modelo sócio-político-econômico totalitário. Não me considero tão burro a ponto de defender o igualitarismo. Nem também, tão desinformado a ponto de pensar que modelos sócio-político-econômicos possíveis se resumem a dois: capitalismo versus comunismo. Refiro-me a uma visão de sociedade na qual “justiça social” não seja apenas uma frase de efeito.

Quando se tem uma visão “socialista” de sociedade, busca-se permanentemente os melhores caminhos para que “corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene!” (Amós).

Considero inconcebível a alguém que busque uma comunhão sincera, íntima e profunda com Deus e que conheça em profundidade a vida e ensinos de Jesus que se oponha a valores espirituais que nos estimulem a lutar por oportunidades iguais e vida digna para todos.

Compreendo que a transformação de valores espirituais – verdade, honestidade, justiça, solidariedade, por exemplo – em políticas públicas e estruturas organizacionais é um grande desafio técnico e político. Técnico, porque exige conhecimento das causas e efeitos das ações humanas sobre a sociedade e a natureza. Político, porque somos milhões de pessoas com motivações e objetivos de vida diferentes, fato gerador de tensão cada vez que se investe em mudanças.

Mesmo assim, como cristãos devemos nos alegrar com cada sinal, por menor que seja, que aponte na direção de uma vida em sociedade na qual as pessoas possam viver de maneira digna e adequada à condição de criadas “a imagem e semelhança de Deus”.

Isso significa interesse pela vida humana em todas as suas dimensões, especialmente a dimensão espiritual. Se isso é ser “socialista”, então sou um deles.

Pr. Edvar Gimenes de Oliveira
Pastor da Igreja Batista da Graça – BA

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